ANISTIA INTERNACIONAL REPUDIA DECLARAÇÃO DE COMANDANTE DO EXÉRCITO

Organização vê ‘grave afronta à independência de poderes’ e desvio do papel das Forças Armadas em tuíte de Villas Boas publicado antes de julgamento do habeas corpus de Lula
RIO — A Anistia Internacional divulgou uma nota de repúdio às declarações do comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Boas, que expressou no Twitter “repúdio à impunidade” e destacou que o efetivo militar estava “atento às suas missões institucionais”. A atitude do general, na véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula (PT-SP) no Supremo Tribunal Federal (STF), marcado para ocorrer nesta quarta-feira, gerou críticas de indevida intromissão militar nos poderes republicanos.
Em nota urgente publicada na manhã desta quarta-feira, a Anistia Internacional, uma das maiores organizações de defesa dos direitos humanos no mundo, destacou que vê a mensagem de Villas Boas como uma “grave afronta à independência dos poderes, ao devido processo legal e uma ameaça ao estado democrático de direito”. Além disso, a manifestação de Villas Boas, na visão da Anistia, “sinaliza um desvio do papel das Forças Armadas”.
NOTA PÚBLICA
Na véspera de julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal, Comandante do Exército General Villas Boas faz declaração nas redes sociais que repudia “a impunidade”.
A Anistia Internacional vem a público manifestar seu repúdio às declarações do Comandante do Exército General Villas Boas. As declarações do General são uma grave afronta à independência dos poderes, ao devido processo legal, uma ameaça ao Estado Democrático de Direito e sinalizam um desvio do papel das Forças Armadas no Brasil.
A Anistia Internacional já havia manifestado sua preocupação com o crescente uso das Forças Armadas como política de segurança pública. O avanço do militarismo através das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e, mais recentemente, com a intervenção federal no Rio de Janeiro são uma ameaça crescente ao estado democrático de direito.
Esse contexto foi agravado diante de declarações das Forças Armadas de que precisavam de garantias legais para atuarem em ações de segurança pública sem que fossem julgados em tribunais civis por ilegalidades ou abusos cometidos. Ainda, a aprovação e sanção da Lei 13.491/2017, que entrou em vigor dia 16 de outubro de 2017, transferiu para a justiça militar o julgamento de crimes cometidos por militares contra civis em operações de GLO. Esse foi já um passo assegurado pelos militares para garantir impunidade por crimes que possivelmente já tinham a intenção de cometer.
Não obstante a aprovação da Lei 13.491/2017, o General Villas Boas afirmou ainda que os militares precisavam de garantias de que não haveria uma nova “comissão da verdade” no futuro. Tal afirmação revela novamente a predisposição das Forças Armadas a alimentar o ciclo de impunidade, já que possíveis graves violações de direitos humanos ficariam sem julgamento.
Cabe lembrar ainda que a impunidade dos graves crimes e violações de direitos cometidos pelas forças armadas é uma das feridas abertas na histórias recente brasileira. O Brasil nunca julgou ou responsabilizou os militares e agentes do estado que cometeram execuções, desaparecimentos forçados, tortura, estupros, e todo tipo de violações durante o regime militar.
A impunidade dos crimes cometidos pelos militares e agentes do estado no passado alimenta e estimula a violência dos agentes do estado e militares no presente.
Este é um momento crucial na história do país. A Anistia Internacional se posiciona fortemente contra o militarismo, contra o desvio de função das Forças Armadas e abuso do uso da força, contra a impunidade das graves violações cometidas pelos agentes do estado. A sociedade brasileira precisa se posicionar a favor do estado democrático de direito, do devido processo legal e da garantia dos direitos humanos.
[Link para a nota no site > http://bit.ly/NotaEVb]
“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, publicou o general em sua conta no Twitter, nesta terça-feira. “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, completou, em outro tuíte.
No comunicado divulgado em resposta ao comandante, a Anistia Internacional avalia que o avanço do militarismo no país — por meio das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e da intervenção federal no Rio — é “ameaça crescente” e baliza a preocupação da entidade sobre o crescente uso das Forças como política de segurança pública.
Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) 3 de abril de 2018
A organização recordou ainda o pedido das Forças Armadas por garantias legais que impedissem julgamentos em tribunais civis no caso de ilegalidades ou abusos cometidos e citou a transferência para a justiça militar dos crimes cometidos por militares em operações de GLO. Na visão da entidade, tal cenário conduz à impunidade de ilegalidades militares e a ausência de punição a violações de direitos da Armada, como na ditadura, “é uma das feridas abertas na história recente brasileira”.
“Esse foi já um passo assegurado pelos militares para garantir impunidade por crimes que possivelmente já tinham a intenção de cometer. O General Villas Boas afirmou ainda que os militares precisavam de garantias de que não haveria uma nova ‘comissão da verdade’ no futuro. Tal afirmação revela novamente a predisposição das Forças Armadas a alimentar o ciclo de impunidade, já que possíveis graves violações de direitos humanos ficariam sem julgamento”, frisou a Anistia.
Para a organização, a impunidade dos crimes de militares e homens do estado do passado alimenta a violência dos mesmos agentes no presente.
“Este é um momento crucial na história do país. A Anistia Internacional se posiciona fortemente contra o militarismo, contra o desvio de função das Forças Armadas e abuso do uso da força, contra a impunidade das graves violações cometidas pelos agentes do estado. A sociedade brasileira precisa se posicionar a favor do estado democrático de direito, do devido processo legal e da garantia dos direitos humanos”, lê-se na nota.
Fonte: O Globo
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